quarta-feira, 30 de setembro de 2020

“Noi due per sempre” com Wess e Dori Ghezzi. A cor do amor em italiano.

Uma canção italiana chegou ao meu ouvido através de um belíssimo casal. Um rapaz negro de voz rouca e aveludada e uma moça loura de um grave extremamente afinado. Eles  encantaram a plateia do mundo com uma das páginas musicais mais marcantes do imenso repertório italiano. Até onde sei representaram a Itália que fervia em festivais onde o romantismo sempre esteve na moda.

A canção romanticamente interpretada era “Noi due per sempre”. Wess e Dori Ghezzi foram um duo ativo de 1972 a 1979. Composto pelo cantor afro americano Wesley Johnson(Wess) e cantora italiana Dori  Ghezzi. Juntos me ensinaram lições de convivência de cores. As cores não existem na voz da canção de amor. São únicas nas palavras de amor. Só uma cor talvez exista. Aquela para a qual os olhos do coração enxergam, pois só o coração tem olhos para ver a cor da alma e alma não tem cor negra ou branca. Tem cor de alma. O amor menos ainda.

Sem saber fluentemente o italiano da canção tento acompanhá-los na doce harmonia. Muitos casais pelo mundo cantaram o amor juntos, mas Wess e Dori Ghezzi o fizeram de um jeito maior que não cabe explicação. O que não tem explicação explicado está.

 

“D’ un tratto sei cosi diversa

Come sei strana stasera...

Ragione come se non fossi

Quello che sono

Daccordo, ma l’amore e um sentimento

Dimensione non ne ha

Primo fiore tu sei

Che dolce inganno

Ho bisogno di te

Non sei sincero

Senza te morirei

Ti amo...

Ti amo,

E noi due per sempre

Nasce il nostro

Giorno E noi

Due per sempre

Basta stare nascosti qui

Sono insiene oggi come

Allora come il primo giorno

E noi due per sempre

Hum...

Da quanto mi hai

Cambiata dentro noi tuoi

Pensieri cammino come

Un idea mi porto

Adosso quello che sei

Per quanto tu mi  resterai

Acanto la risposta non la so.”

Ao ouvi-los tive a certeza de que a nossa única esperança está no amor sem cor e sem territórios demarcados. Uma bela canção de amor é como o primeiro beijo. É só dizer: Nós dois para sempre.

Paço do Lumiar (MA), sábado, 27 de junho de 2020 ás 20h12min09s

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Na terra do sol nascente com “Os Incríveis”. “ Kokorono-Niji” vem ao João Paulo.

Uma das canções mais intrigantes da minha adolescência foi uma do conjunto “Os Incríveis”. Era o grupo preferido da turminha da Rua Getúlio Vargas nas cantorias regadas a violão e muita farofa de calabresa, noturnamente preparada com ajuda de todos no João Paulo dos anos setenta na porta do Zeca, do violão do Milton e do saudoso Mano Pires. A casa dos Pires era o ponto de encontro todas as noites para jogar conversa fora e planejar as festas.

Era 1973 e com 13 anos eu ficava por perto boquiaberto com o jeito afinado da turma cantar e tocar uma música com frases em japonês. Como?

Pois é. "Kokorono-Niji" estava nas paradas e trouxe o Japão para passear no João Paulo. Os versos falavam de saudade deixada por um amor. Mas precisava ser tão longe assim? Logo no Japão.

Com arranjo totalmente oriental a letra assim anunciava:

 

“Saudade é a lembrança

Do amor que um dia deixei ali

Saudade é nostalgia do Japão

Que nunca esqueci

Boneca linda dourada

O sol que nasce vem me contar

Que nos teus olhos iluminou

Duas pérolas a rolar

Se você não me esqueceu

Sei que também vou lembrar

Do abraço que te dei

Meu bem

No momento de voltar...”

 E a partir daqui o negócio complicava:

 

“Itsuka anata to musubareta hi ni

Dakishime Daskishimete amaete it

No ne watashinokokoro wa

Namida de yureru kedo

Kanashii chouchou wa 

oozora he kaeru

 

Saudade é nostalgia

Do Japão que nunca esqueci

Kanashii chouchou wa

Oozora he kaeru...”

Era uma canção de 1968 onde “Os Incríveis” esnobavam criatividade e musicalidade.

Como eles conseguiram? Fazer o Brasil que tem dificuldade histórica com o próprio idioma viajar pela terra do sol nascente cantando. Até hoje não sei se fomos nós a fazer arte com japoneses ou foram eles que vieram mostrar que a arte é universal e não conhece fronteiras impostas pelas geografias.

 A banda paulista tinha Mingo na voz e guitarra, Risonho na guitarra, Manito nos teclados, vocal e sax, Netinho na bateria e Neno no baixo. ”Os Incríveis” já eram em 1973 extremamente conhecidos , pois “O milionário” se tornou um clássico que toda banda de baile sabia fazer de cor. Outros clássicos com letra e não só instrumental que era uma especialidade aconteceram, mas essa do sol nascente ficou para sempre na minha memória.

 Até hoje fico impressionado com a canção que ensinou o Brasil a falar japonês. Hoje eu sei bem mais do que a manjada “Sayonara”. Ou será “Sayonará"? Eles sabem. Em tempo: “Kokorono-Niji” significa “Arco-íris azul”.

                                                                Paço do Lumiar (MA), sábado, 27 de junho de 2020 às 16h36min23s

sábado, 26 de setembro de 2020

“La question” com Françoise Hardy”. Uma francesa na trilha sonora.

Nas novelas que eu assistia na década de 70 as trilhas sonoras internacionais me chamavam muito a atenção. A música casava certinho com o enredo e os personagens. Geralmente eu associava a música ao personagem. Sabia de cor o refrão de algumas canções. Muitas em inglês. Em outras línguas era difícil. Assistir aos folhetins era o lazer maior depois da praia e do futebol. Decorar as músicas era fácil, pois se repetia em toda cena onde a personagem estivesse durante meses. Era assim minha rotina no bairro do João Paulo em São Luís naqueles dias no início dos anos setenta. Lógico que os estudos no Colégio Batista, tradicional e com fama de ser puxado exigia atenção e dedicação plenas antes de tudo.

Mas uma novela surpreendeu em 1972 ao colocar na sua trilha sonora uma canção em francês. Era “Selva de Pedra” com música em francês, raro para a época já que o inglês dominava o planeta. Acho que ali este novo momento estava chegando. A globalização das artes. Mas aos doze anos eu não sacava nada de globalização. Eu estava interessado era na música francesa que me impressionou pelo timbre e afinação da cantora, além da sensualidade de sua voz. O termo globalização que seria moda mais adiante sequer era mencionado em compêndios da época. Não que eu soubesse.

A música era “La Question” e a cantora Françoise Hardy. Era francesa legítima com sotaque e tudo. Vinha com um violão extraordinário na introdução e depois uma orquestração tendo um belo piano bordando as extremidades da harmonia. A parceria da cantora francesa com a guitarrista brasileira Tuca invadiu as rádios locais e brasileiras. O texto francês chegou assim na voz da moça francesa de olhos claros e jeito livre a começar pelos longos cabelos:     

 

“Je ne sais pas qui tu peux être

Je ne sais pas qui tu espères

Je cherque toujours  à te connaître et

Ton silence trouble mon silence

Je ne sais pas d’où vient

Le mensonge estce de ta la

Voix qui se tait

 

Les mondes où malgré moi

Je plonge Sont comme un

Tunnel qui m’effraie

 

De ta distance a lá

Mienne on se perd bien

Trop souvent et chercher à te

Compreende C’est courir

Aprés le vent

 

Je ne sais pas pourquoi

Je reste Dans une mer

Où je me noie

Je ne sais pas pourquoi

Je reste Dans um air qui m’ettouffera

Tu es le sang de ma blessure

Tu es le feu de ma brûlure

Tu es ma question sans rèponse

Mon cri muet et

Et mon silence.”

A cidade de São Luís traz até no nome a marca dos franceses. Única capital brasileira por eles fundada merecia da minha parte como ludovicense descobrir o recado dado na língua de Françoise Hardy. Como ficaria “A Questão” na língua de Camões:

 

“Eu não sei quem você pode ser

Eu não sei o que você espera

Eu procuro sempre conhecê-lo

E o teu silêncio perturba o meu silêncio

 

Eu não sei de onde vem a mentira

Será da tua voz que se cala?

Os mundos onde mergulho contra a minha vontade

São como um túnel que me assusta

 

Da tua distância até a minha

Nos perdemos frequentemente

E procurar compreendê-lo

É  como correr atrás do vento

 

Eu não sei porque continuo

Dentro de um mar onde me afogo

Eu não sei porque continuo

Nesse ar que me asfixia

 

Você é o sangue da minha ferida

Você é o fogo que me queima

Você é minha pergunta sem resposta

Meu grito mudo

E o meu silêncio.

Poesia por mim aprovada e música também. A questão agora era descobrir por onde andaria a francesinha que deixou o Brasil e o Maranhão apaixonados. Para quem ela teria direcionada uma antítese tão arrojada entre grito e silêncio? Eis aí “La Question”.

                                                      Paço do Lumiar (MA) sábado, 27 de junho de 2020 às 15h38min08s

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Um anjo com doce voz de menina. “Lovin’ you” de Minnie Riperton.

Um violão de macios acordes e sons de passarinhos introduziam a doce voz de Minnie Riperton. Parecia um anjo a soletrar em meu ouvido uma canção de melodia indescritível pela sensualidade e sensibilidade. Era “Lovin’ you” e nunca mais esqueci.

Pouco ou quase nada sabia da cantora de afinação extraordinária. Em 1975, Minnie já estava estourada no mundo com a bela canção. Com 15 anos ainda incompletos eu começara a frequentar os bailes. Era a música preferida dos casais para dançar coladinho e tentar ao pé do ouvido uma conquista. Essa habilidade eu ainda não tinha e me limitava a ouvir e imaginar como seria aquela cantora.

Com pesquisa descobri que a cantora era de Illinois, Chicago, EUA. Chamava-se Minnie Julia Riperton Rudolph cantava soul, rock e ficou famosa justamente com a minha música preferida.

Minnie começou cedo. Aos quinze anos já era reconhecida pelos dotes vocais acima da média. Participou com a ajuda dos pais de grupos vocais como “The Gems” e mais tarde “The Rotary Connection”. Seguiu carreira solo e gravou o álbum “Perfect Angel”, de onde saiu o mega sucesso “Lovin’ you”.

Um dia a menina de voz doce afinada e de um agudo que até hoje ecoa nos meus ouvidos nos deixou. Pouco tempo. Viveu apenas 31 anos.  Era 1979, eu acabara de completar 19 anos de vida, muito novo para entender e ela para partir. Talvez por ser anjo precisasse retornar ao lugar onde só os passarinhos entendem o tempo.

A minha impressão é que “Lovin’ you” veio na voz de Minnie dizer que os anjos estão entre nós. Só quem ouve pode ver e sentir. Ainda hoje a percebo soletrando baixinho ao meu ouvido algo que até o tempo tentar explicar:

 

“Lovin’ you is easy cause you’re beautiful

 Makin love with you is all I wanna do

Lovin’ you is more than just a dream come true

Everything that I do is out of lovin ‘ you...”

 

“Amar você é fácil porque você é lindo

E fazer amor com você é tudo que quero

Amar você é mais que um sonho realizado

E tudo que faço é por amor a você...”

Mais na frente o texto fala em envelhecermos juntos e vivermos cada primavera. Esse tempo ela não teve aqui, mas terá na eternidade onde alguém dirá a outro alguém “Lovin’ you”. Um anjo é imortal, o amor também.

 Paço do Lumiar (MA) sábado, 27 de junho de 2020 às 08h59min31s

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

“Irmãos coragem” de Nonato Buzar. A mineira Janete Clair faz o Brasil parar.

A trilha original de “Irmãos Coragem” na voz de Jair Rodrigues entrava em horário nobre nos lares brasileiros em 1970. O folhetim de Janete Clair trazia um elenco de peso. Conquistou o público masculino com futebol e cenas de faroeste. Fez das novelas assunto não de público feminino, mas fez os marmanjos ficarem diante de João, Jerônimo e Duda Coragem durante trezentos e poucos capítulos. Consagrou em definitivo Janete e seus personagens.

A musica composta pelo carioca Paulinho Tapajós e pelo maranhense Nonato Buzar, quando tocava, o Brasil sentava onde desse para ver as aventuras dos irmãos Coragem contra o vilão Pedro Barros. Tarcísio Meira, os Cláudios Cavalcante e Marzo, além das atrizes ainda postulantes ao estrelato como Glória Meneses, Regina Duarte e Lúcia Alves e do brilhante Gilberto Martinho no papel do vilão Pedro Barros incendiaram o Brasil trazendo crítica social e sentimento de liberdade em plena ditadura militar. Dizem que até os militares assistiam.

É bom lembrar do elenco de apoio que era de altíssimo nível. Mas a música marcou e além do arranjo trazia um sentimento de esperança e luta. O texto pedia coragem:

 

“Manhã despontando lá fora

Manhã já é sol já é hora

E os campos se abriam em flor

É preciso coragem que a vida é viagem

Destino do amor...”

Com dez anos de idade não sabia que o compositor era da minha terra. Muito depois fui saber da história e do legado de Nonato Buzar, que saiu e Itapecuru-Mirim para dar coragem a todos nós. Descobri que “Vesti azul” imortalizada na voz do sensacional Wilson Simonal era dele. Tive orgulho dele e também da moça mineira que saiu de Conquista para parar o Brasil. Saudades eternas de todos eles e lembrei que:

Quem à vida se entrega a sorte não nega seu braço e o seu chão.”

 Paço do Lumiar (MA), quarta-feira,, 24 de junho de 2020 às 07h35min09s

sábado, 19 de setembro de 2020

“Pink” de Elton. Um outro John.

O John inglês que todos conheciam era Lennon. O outro eu só fui conhecer nas aulas de inglês do colégio em 1974. A professora trouxe o texto num gravador do tamanho de uma caixa de fósforo.

Ouvi e mesmo sem tradução gostei do piano e do cantor. Era Elton John. A música me acompanhou o tempo todo e do ouvido não se afastava.

Mas “Pink” tinha algo diferente no arranjo que me fez persegui-la nos manuais de inglês:

 

“I don’t want to wake you

 But I’d like to tell you that I love you

 That the candlelight feel

 Like a crescent upon your feather pillow...”

Fiquei anos buscando encontrá-la em lojas e nada. Sumiu das paradas e das rádios. O pianista, cantor e compositor inglês não a incluía mais em seu vastíssimo repertório de sucessos. Na verdade nunca o vi em shows adicioná-la no roteiro. Com enormes óculos e sentado em um piano branco vi o baixinho John se agigantar diante de multidões e trilhas sonoras de filmes fantásticos. Mas o piano suave de “Pink” ficou para sempre. Sucessos vieram um atrás do outro sempre com arranjos ousados. O outro John conquistou o mundo.

Quando pego o violão vou logo procurando um lá maior que introduz a canção. Poucos lembram dessa música, mas marcou com fogo os meus 14 anos, pois me acalmava e trazia lembranças de algo que eu ainda não tinha vivido. A impressão sonora foi a que ficou.

Nos anos 70 só deu Elton. Quase todas as rádios tocavam suas músicas ou porque estavam nas novelas ou em trilhas de filmes.

Mas “Pink” foi a canção que me apresentou para sempre o talento de Elton John. O outro John. Dizem que no nome traz uma homenagem ao ex-beatle. Pensei: os britânicos sabem produzir Johns. Os brasileiros também.

Paço do Lumiar (MA), terça-feira, 23 de junho de 2020 às 07h42min09s

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

“Procuro abrigo” de Waldeci Farias. A preferida do Zé.

Os domingos na Igreja São Jaime em 1977 amanheciam iluminados. Cada vez mais inspirado, um padre novo na paróquia, de barba preta e homilias criativas e contextualizadas, encantava a todos com uma vocação exuberante. Albino trazia o violão e a voz com novas canções.

Responsável pela parte musical das missas o jovem também de barba apresentava uma nova canção de Waldeci Farias. O padre carioca novato na paróquia era José Roberto Rodrigues Devellard. Tinha vindo da reitoria do Seminário São José abençoado pelo cardeal potiguar Dom Eugénio de Araújo Sales direto para os braços de uma comunidade no Lins que o recebeu com o carinho que ele conquistou e passou a merecer.

Logo percebi que a nova canção trazida por Albino também empolgou o jovem sacerdote. Era “Procuro abrigo” que foi escalada para ser Canto de Comunhão.  Zé, como era carinhosamente chamado pelos paroquianos e por mim, ainda postulante aos acordes de violão, soltava o vozeirão mesmo distribuindo a hóstia abençoada:

 

“Procuro abrigo nos corações

De porta em porta desejo entrar

Se alguém me acolhe com gratidão

Faremos juntos a refeição...”

José Roberto transformou a São Jaime numa família. Eu torcia para chegar o final de semana para encontrar a turma do grupo jovem. Ajudar nas atividades pastorais da Igreja e fazer aquilo que eu mais gostava: tocar nas missas quantas fossem e ver crianças, jovens, adultos e os mais experientes cantando junto com aquele padre carismático.

Na hora da comunhão lá estavam Albino, Guilherme e eu puxando os cantos e fazendo o povo orar duas vezes como dizia o saudoso Padre João Maria:

 

“Eu nasci pra caminhar assim

Dia e noite eu vou até o fim

O meu rosto forte sol queimou

Meu cabelo o orvalho já molhou

Eu cumpro a ordem do meu coração...”

Essa canção ficou marcada em minha vida para sempre. Os versos jamais esqueci e também o entusiasmo que o padre colocava na voz nessa canção empolgava a todos a ponto dos quatro barbudos não pararem de cantá-la mesmo com a comunhão encerrada esperando a Ação de Graças, momento após a comunhão para reflexão e silêncio.

 

“Vou batendo até alguém abrir

Não descanso o amor me faz seguir

É feliz quem ouve a minha voz

E abre a porta , entro bem veloz

Eu cumpro a ordem do meu coração...”

 

“Junto à mesa vou sentar depois

E faremos refeição nós dois

Sentirás teu coração arder

E esta chama tenho que acender

Eu cumpro a ordem do meu coração...”

Participei de encontros de jovens em outras paróquias e pude sentir na Igreja da Consolação, na Barão do Bom Retiro,  que essa música do cearense Waldeci Farias já estava no repertório e no coração dos sacerdotes e do povo. No coração do Zé era impressionante. Hoje morando no Maranhão eu o vejo feliz e inspirado como sempre celebrando e procurando abrigo nos corações pelas imagens da TV Brasil onde do Rio celebra aos domingos.  O Brasil inteiro pode perceber que eu não estava errado. Suas homilias contextualizadas e cheias de ensinamentos transcendem geografias chegando ao país num misto de inspiração, devoção e fé.

E ele continua cantando a sua preferida:

 

“Aqui dentro o amor nos entretém

E lá fora o dia eterno vem

Finalmente nós seremos um

E teremos tudo em comum

Eu cumpro a ordem do meu coração”.

Pretendo um dia voltar ao Rio e ficar de frente para ele na capela das Aparições e lhe mostrar uma foto que tiramos juntos quando eu era catequista e preparei o primeiro grupo de jovens para a eucaristia na antiga São Jaime em 1978. Sua barba era longa e preta e a minha estava saindo.  Não sei se vai me reconhecer, mas eu saberei que ele é o eterno Zé da São Jaime, hoje São Tiago, do Lins sua primeira paróquia que ele transformou numa família.

Ele agora com cabelos brancos e se movendo lentamente, mas com a mesma voz e vigor de outrora , não vai precisar bater de porta em porta. Deus já o acolheu em sua eterna vocação, onde prossegue convertendo corações e servindo de abrigo aos que necessitam de sua palavra. Lá da Nossa Senhora da Ressurreição, em Copacabana, sua nova casa, os corações dos seus fieis já têm abrigo.

Paço do Lumiar (MA) segunda feira, 14 de setembro de 2020 às 04h 58min 15s

*Monsenhor José Roberto Rodrigues Devellard nos braços de Deus (Obituário)

“Vem e eu mostrarei” de Waldeci Farias. O terceiro violão e o substituto.

Era um sábado em 1977 e ao chegar à São Jaime o Zé foi logo dizendo que eu iria assumir a missa das 19 horas na capela. Os cantores e violonistas principais tinham ido a uma excursão da paróquia e não estariam ali. Gelei dos pés à cabeça, pois era só um auxiliar e sabia muito pouco das canções sacras que os mestres já faziam muito bem. A única que sabia tocar bem era o canto de comunhão de Waldeci Farias. “Vem e eu mostrarei” eu já sabia de cor porque Albino e Guilherme tinham me passado e muitas missas em sequência eu os acompanhava como terceiro violonista, mas verdinho e nervoso demais para substituí-los. Tocar acompanhando Albino e Guilherme era uma coisa. Tocar uma missa inteira sozinho era outra  coisa. Nós três assumíamos as missas de sábado e as de domingo nos alternando conforme a necessidade, mas sempre juntos. Naquele dia estava só. Tinha a responsabilidade de tocar em todas as missas. O Zé, como chamávamos o padre José Roberto, deu força e tranquilizou dizendo que eu deveria tocar só o que soubesse.  Foi o que fiz.

Durante a comunhão soltei o acorde em sol maior e mandei a voz que teimava em não sair tal o nervoso diante de fieis tranquilos e um padre inspiradíssimo:


“Vem, e eu mostrarei que o meu caminho te leva ao pai

Guiarei os passos teus e junto a ti hei de seguir

Sim, eu irei e saberei como chegar ao fim

De onde vim, aonde vou, por onde irás, irei também...”

Inspirado pela confiança em mim depositada por Zé Roberto e ligado na canção, perdi o medo e a vergonha. Tocar e cantar nas missas a partir dali se transformaram num exercício de alegria e satisfação constantes. Passei a copiar todas as letras com cifras e treiná-las à exaustão para evitar novas surpresas. Os sábados e domingos eram aguardados com expectativa e entusiasmo. A Igreja São Jaime no Lins foi a minha escola de canto e violão. Era demais tocar sendo a voz guia de um povo que buscava a Deus nas belas letras e músicas do Waldeci Farias. Ao voltar, Albino e Guilherme descobriram que suas aulas funcionaram. Eu já não era mais o terceiro violão da paróquia. Era mais que um substituto. Era junto com eles o violão principal das missas belamente tocadas e cantadas pela comunidade.

Waldeci Farias nasceu no Ceará em 1943 e foi para o Rio de Janeiro tentar a carreira religiosa no Seminário Franciscano de Petrópolis. Como frade não descobriu a vocação, pois sua música falou mais alto. Com apoio de religiosos seguiu carreira como um dos maiores compositores católicos do país. Suas canções são até hoje interpretadas em missas por todo o Brasil.

Em 2013 uma grande homenagem foi feita no Rio ao artista das canções sacras. Um tributo a Waldeci Farias foi prestado pelo serviço de divulgar a palavra de Deus por meio de canções. “Procuro abrigo nos corações”, preferida do Zé Roberto,  e outras como “Este pranto em minhas mãos”, “Sou bom pastor” e “Sobe a Jerusalém” estavam lá. Sem contar uma que me fez perder o medo de divulgar a palavra sacra através da música:

 

“Vem e eu te direi o que estás a procurar

A verdade é como o sol e invadirá teu coração

Sim, eu irei e aprenderei minha razão de ser

Eu creio em ti que crês em mim e a tua luz

Verei a luz...

 

Vem, e eu te farei da minha vida participar

Viverás em mim aqui, viver em mim é o bem maior

Sim, eu irei e viverei a vida inteira assim

Eternidade é na verdade o amor

Vivendo sempre em nós...

 

Vem que a terra espera quem possa e queira participar

Com amor na construção de um mundo novo muito melhor

Sim, eu irei e levarei teu nome aos meus irmãos

Iremos nós e teu amor vai construir enfim a paz.”

Letra: Pe. Josimar Braga

Música: Waldeci Farias

Waldeci se despediu e foi tocar piano e compor mais perto de Deus. Suas letras e canções me ajudam até hoje, quando toco nas missas, a crer sempre na luz. Sei agora que a verdade é como o sol. Minha razão de ser eu já descobri.  Ele mostrou Cristo a mim e ao Brasil. Não estou mais a procurar. Minha voz e violão fizeram da vida de Cristo participar.  Ser primeiro ou terceiro não faz mais a menor diferença. Não há nada que substitua a luz.

                                            Paço do Lumiar (MA) domingo, 13 de setembro de 2020 às 10h 57min 18s


quarta-feira, 16 de setembro de 2020

“Is this love” de Bob Marley. São Luís adota o reggae.

Em 1978 vim de férias para São Luís. Stênio, meu primo, cantava na noite em bandas de baile e alertou:

- Joãozinho, o reggae chegou para ficar.

Até onde eu sabia São Luís do Maranhão era terra de bumba meu boi. Não era mais. A Jamaica com inglês e tudo assumiu o lugar em uma terra outrora fundada pelos franceses. Paris continuava na França enquanto Kingston tinha se transferido para São Luís.

Comprovei tal mudança andando pelas estreitas ruas da capital com gente dançando coladinho com boinas de cores jamaicanas. Vi com espanto gringos e nativos petrificados diante de enormes radiolas. Eram as “pedras”. Nome dado ao som que vinha forte das caixas.

João Chiador tinha um concorrente de peso. Era Bob Marley e a letra de “Is this love” estava na ponta da língua de uma gente que parecia ter trocado o tambor onça, as matracas e os pandeirões por outro sotaque com guitarras deslizantes e cadenciadas dos adeptos do rei Marley. As rádios já tinham programação direcionada para as festas regadas ao som da Jamaica.

Ouvi cantores da noite arriscando um inglês jamaicano:

 

“I wanna love you and treat you right

  I wanna love you every day and

  Every night We’ll be together with a roof

  Right over our heads

  We’ll share the shelter

  Of my single bed

  We’ll share the same  room, yeah!

  For Jah provide the bread

  Is this love is this love

  Is this love that I’m feeling...”

Impressionado com a presença jamaicana na única capital que não nasceu lusitana percebi claramente a globalização como conceito. Como o reggae chegou ao Maranhão? Como os maranhenses adotaram esse jeito de cantar, tocar e dançar próprios dos guetos jamaicanos?

A questão era única. O povo sofrido de lá encontrou ressonância no povo sofrido daqui. Peguei minha boina, um velho vinil do rei Marley e voltei para o Rio de Janeiro.

Quando desci na Rodoviária Novo Rio escutei nos altos falantes:


“I wanna know wanna know wanna now

 I got to know got to know... Ah , Ah, Ah..”

Paço do Lumiar(MA) terça feira, 23 de junho de 2020 às 07h20min07s

 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

“Navega coração” de Kleiton e Kledir. De Pelotas para o Brasil.

O projeto “Seis e meia” trazia naquela semana MPB-4.  No Teatro João Caetano show com gente boa era por um preço acessível. Um grande nome apresentava um novato para apreciação da exigente plateia carioca. Eu estava lá. Era 1980.

Mesmo não sendo da terra me comportava como tal, pois o Rio é a capital cultural do Brasil. O famoso grupo vocal anunciava um pessoal do sul. Eram os irmãos gaúchos Kleiton e Kledir. Na verdade os gaúchos de Pelotas não tinham nada de novatos. Já estavam na estrada há algum tempo e chegaram ao Rio com experiência para mostrar o que o Rio Grande lá de baixo tinha para oferecer ao Brasil.

Quando anunciados encantaram o público com uma Maria fumaça de sotaque e tudo que passou levando todo mundo. Com um violino, ou coisa parecida, e um violão a gauchada arrasou.

Um ano depois apareceram num festival com uma canção linda e cheia de recados gerais. O regionalismo deu lugar a um roteiro novo que colocariam os “guris” nos palcos do Brasil.

“Navega coração” conquistou o país:

 

“Nos naufrágios que o destino

  Vem tentando me pregar

  Vou nadando meus caminhos devagar

  Desde os tempos de menino

  Aprendi a navegar

  Com as bússolas que eu mesmo inventar

  Hoje eu sei as armadilhas

  E os segredos desse mar

  Que viver não é preciso nem será...”

A impressão que tive é que estava diante de um novo momento na MPB. Os gaúchos trouxeram letra e música com primor. Arranjo bem elaborado com uma poesia verdadeira e de alcance. Destaque-se aí o vocal ao fundo do grupo "Céu da Boca" e orquestração perfeita de notas e violinos.

Kleiton e Kledir chegaram armados ao Rio. Já tinham trilhado no Sul uma estrada de sucessos com o trabalho feito nos “Almôndegas” que chegaram para uma trilha de novela global. Quem não se lembra da “Quando à meia noite me encontrar junto a você algo diferente vou sentir vou precisar me esconder...”

Depois do reconhecimento não precisaram mais levantar âncoras. Pelotas já tinha se apresentado para o Brasil. Muitos outros sucessos conquistaram público e crítica.

E o coração dos gaúchos voaram pra lá do arco-íris sem piratas e dragões. O sul chegou pra ficar.

Paço do Lumiar (MA) terça feira, 23 de junho de 2020 às 06h03min08s

 

sábado, 12 de setembro de 2020

“Enquanto engoma a calça” de Ednardo. O maranhense Chico me apresenta ao som do Ceará.

Que os cearenses chegaram pra ficar o Brasil inteiro ficou logo sabendo. Eles não eram só bons humoristas. Eram bons também de viola. Em compor nem se fala.

Após passar no concurso para o Banco do Brasil e ser motivo de admiração e respeito pelo esforço dos familiares, meu primo Chico de Caxias passou um tempo perambulando por agências do Maranhão e foi parar no Ceará.

Com o tempo trocou o “éguas” dos maranhenses por “macho” dos cearenses.

No Maranhão os cearenses já eram conhecidos e admirados pelo talento. Belchior e Fagner já tomavam conta das poucas rádios de São Luís e nos bares os seresteiros iniciavam logo o repertório com eles pra fazer bonito.

“Comentários a respeito de John” e “Canteiros” já estavam nos ouvidos dos amantes do happy hour da época. Sacramentaram presença cearense não só na noite maranhense, mas no país inteiro. “Na hora do almoço” e “Conflito” já eram consagradas desde a época que morei no Rio em 1976.

Em 1983 fiz uma passagem rápida por Fortaleza a convite do primo Chico. Ele estava lá a trabalho e o principal lazer era ir para o clube social dos funcionários do banco nos finais de semana dançar e ouvir boa música. Fã confesso de Gonzaguinha pedia sempre para puxar na viola uma de suas músicas. “Sangrando” o fazia chorar e lembrar do Maranhão. Não sei o lado afetivo dessa canção com o primo. Uma paixão ou simples saudade da terrinha. Isso ele nunca me falou. Só sei que o rapaz cantava a música trabalhada nas lágrimas.

Mas além do compositor carioca que ele gostava apresentou-me outro cearense. Eu disse: mais um. E o cara era bom mesmo. Era o Ednardo de “Terral” e que já tinha feito trilha até para uma novela global: “Pavão Misterioso”.

A canção produzida em 1979 deslizou no vinil da sala em Aldeota com um gostoso violão fazendo ponte e percussão a gosto. O som cearense assim chegou:


“Arrepare não , mais enquanto engoma a calça

Eu vou lhe contar uma história bem curtinha fácil de cantar

Porque cantar parece com não morrer

É igual a não se esquecer que a vida aqui tem razão.

 

Esse voar maneiro foi ninguém que me ensinou

Não foi passarinho foi o olhar do meu amor

Me arrepiou todinho e me eletrizou assim

Quando olhou meu coração...”

Gostei demais e falei pro Chico que aquela já estaria no próximo repertório. Cantamos juntos a noite inteira e depois nas Praias do Náutico e de Iracema pude perceber como eles valorizam seus artistas. Nos violões das calçadas as moças cearenses cantarolavam ao sabor do chopp geladíssimo e da farta gastronomia local sua música sem súplica.

Na rodoviária, rápida despedida. O primo agradeceu a visita. Rumei para o Rio.

Caminhando por Vila Isabel escuto de um som potente vindo de um alto falante uma canção:

 

“Amanhã se der um carneiro, carneiro

 vou me embora daqui pro Rio de Janeiro...”

Pensei: serão os cearenses? E era. Eles atacavam de novo. Liguei pro Chico e avisei: adivinha quem desembarcou no Rio?  Ele respondeu rápido interrogando: Ednardo? Pensei: ele já sabia. 

Paço do Lumiar(MA) domingo 21 de junho de 2020 às 19h03min09s