Os domingos na Igreja São Jaime em 1977 amanheciam iluminados. Cada
vez mais inspirado, um padre novo na paróquia, de barba preta e homilias
criativas e contextualizadas, encantava a todos com uma vocação exuberante.
Albino trazia o violão e a voz com novas canções.
Responsável pela parte musical das missas o jovem também de barba
apresentava uma nova canção de Waldeci Farias. O padre carioca novato na
paróquia era José Roberto Rodrigues Devellard. Tinha vindo da reitoria do Seminário
São José abençoado pelo cardeal potiguar Dom Eugénio de Araújo Sales direto
para os braços de uma comunidade no Lins que o recebeu com o carinho que ele
conquistou e passou a merecer.
Logo percebi que a nova canção trazida por Albino também empolgou o
jovem sacerdote. Era “Procuro abrigo” que foi escalada para ser Canto de
Comunhão. Zé, como era carinhosamente
chamado pelos paroquianos e por mim, ainda postulante aos acordes de violão,
soltava o vozeirão mesmo distribuindo a hóstia abençoada:
“Procuro
abrigo nos corações
De
porta em porta desejo entrar
Se
alguém me acolhe com gratidão
Faremos
juntos a refeição...”
José Roberto transformou a São Jaime numa família. Eu torcia para
chegar o final de semana para encontrar a turma do grupo jovem. Ajudar nas
atividades pastorais da Igreja e fazer aquilo que eu mais gostava: tocar nas
missas quantas fossem e ver crianças, jovens, adultos e os mais experientes
cantando junto com aquele padre carismático.
Na hora da comunhão lá estavam Albino, Guilherme e eu puxando os
cantos e fazendo o povo orar duas vezes como dizia o saudoso Padre João Maria:
“Eu
nasci pra caminhar assim
Dia e
noite eu vou até o fim
O meu
rosto forte sol queimou
Meu
cabelo o orvalho já molhou
Eu
cumpro a ordem do meu coração...”
Essa canção ficou marcada em minha vida para sempre. Os versos jamais
esqueci e também o entusiasmo que o padre colocava na voz nessa canção
empolgava a todos a ponto dos quatro barbudos não pararem de cantá-la mesmo com
a comunhão encerrada esperando a Ação de Graças, momento após a comunhão para
reflexão e silêncio.
“Vou
batendo até alguém abrir
Não
descanso o amor me faz seguir
É
feliz quem ouve a minha voz
E
abre a porta , entro bem veloz
Eu
cumpro a ordem do meu coração...”
“Junto
à mesa vou sentar depois
E
faremos refeição nós dois
Sentirás
teu coração arder
E
esta chama tenho que acender
Eu
cumpro a ordem do meu coração...”
Participei de encontros de jovens em outras paróquias e pude sentir na
Igreja da Consolação, na Barão do Bom Retiro, que essa música do cearense Waldeci Farias já
estava no repertório e no coração dos sacerdotes e do povo. No coração do Zé
era impressionante. Hoje morando no Maranhão eu o vejo feliz e inspirado como
sempre celebrando e procurando abrigo nos corações pelas imagens da TV Brasil
onde do Rio celebra aos domingos. O
Brasil inteiro pode perceber que eu não estava errado. Suas homilias
contextualizadas e cheias de ensinamentos transcendem geografias chegando ao
país num misto de inspiração, devoção e fé.
E ele continua cantando a sua preferida:
“Aqui
dentro o amor nos entretém
E lá
fora o dia eterno vem
Finalmente
nós seremos um
E
teremos tudo em comum
Eu
cumpro a ordem do meu coração”.
Pretendo um dia voltar ao Rio e ficar de frente para ele na capela das
Aparições e lhe mostrar uma foto que tiramos juntos quando eu era catequista e
preparei o primeiro grupo de jovens para a eucaristia na antiga São Jaime em
1978. Sua barba era longa e preta e a minha estava saindo. Não sei se vai me reconhecer, mas eu saberei
que ele é o eterno Zé da São Jaime, hoje São Tiago, do Lins sua primeira
paróquia que ele transformou numa família.
Ele agora com cabelos brancos e se movendo lentamente, mas com a mesma
voz e vigor de outrora , não vai precisar bater de porta em porta. Deus já o
acolheu em sua eterna vocação, onde prossegue convertendo corações e servindo
de abrigo aos que necessitam de sua palavra. Lá da Nossa Senhora da
Ressurreição, em Copacabana, sua nova casa, os corações dos seus fieis já têm
abrigo.
Paço do Lumiar (MA) segunda feira, 14 de setembro de 2020 às 04h 58min
15s
*Monsenhor José Roberto Rodrigues Devellard nos braços de Deus (Obituário)