Nas novelas que eu assistia na década de 70 as trilhas sonoras internacionais me chamavam muito a atenção. A música casava certinho com o enredo e os personagens. Geralmente eu associava a música ao personagem. Sabia de cor o refrão de algumas canções. Muitas em inglês. Em outras línguas era difícil. Assistir aos folhetins era o lazer maior depois da praia e do futebol. Decorar as músicas era fácil, pois se repetia em toda cena onde a personagem estivesse durante meses. Era assim minha rotina no bairro do João Paulo em São Luís naqueles dias no início dos anos setenta. Lógico que os estudos no Colégio Batista, tradicional e com fama de ser puxado exigia atenção e dedicação plenas antes de tudo.
Mas uma novela surpreendeu em 1972 ao colocar na sua trilha sonora uma canção em francês. Era “Selva de Pedra” com música em francês, raro para a época já que o inglês dominava o planeta. Acho que ali este novo momento estava chegando. A globalização das artes. Mas aos doze anos eu não sacava nada de globalização. Eu estava interessado era na música francesa que me impressionou pelo timbre e afinação da cantora, além da sensualidade de sua voz. O termo globalização que seria moda mais adiante sequer era mencionado em compêndios da época. Não que eu soubesse.
A música era “La Question” e a cantora Françoise Hardy. Era francesa legítima com sotaque e tudo. Vinha com um violão extraordinário na introdução e depois uma orquestração tendo um belo piano bordando as extremidades da harmonia. A parceria da cantora francesa com a guitarrista brasileira Tuca invadiu as rádios locais e brasileiras. O texto francês chegou assim na voz da moça francesa de olhos claros e jeito livre a começar pelos longos cabelos:
“Je
ne sais pas qui tu peux être
Je ne
sais pas qui tu espères
Je
cherque toujours à te connaître et
Ton
silence trouble mon silence
Je ne
sais pas d’où vient
Le mensonge
estce de ta la
Voix
qui se tait
Les mondes
où malgré moi
Je
plonge Sont comme un
Tunnel
qui m’effraie
De ta
distance a lá
Mienne
on se perd bien
Trop
souvent et chercher à te
Compreende
C’est courir
Aprés
le vent
Je ne
sais pas pourquoi
Je
reste Dans une mer
Où je
me noie
Je ne
sais pas pourquoi
Je
reste Dans um air qui m’ettouffera
Tu es
le sang de ma blessure
Tu es
le feu de ma brûlure
Tu es
ma question sans rèponse
Mon
cri muet et
Et
mon silence.”
A cidade de São Luís traz até no nome a marca dos franceses. Única capital brasileira por eles fundada merecia da minha parte como ludovicense descobrir o recado dado na língua de Françoise Hardy. Como ficaria “A Questão” na língua de Camões:
“Eu
não sei quem você pode ser
Eu
não sei o que você espera
Eu
procuro sempre conhecê-lo
E o
teu silêncio perturba o meu silêncio
Eu
não sei de onde vem a mentira
Será
da tua voz que se cala?
Os
mundos onde mergulho contra a minha vontade
São
como um túnel que me assusta
Da
tua distância até a minha
Nos
perdemos frequentemente
E
procurar compreendê-lo
É como correr atrás do vento
Eu
não sei porque continuo
Dentro
de um mar onde me afogo
Eu
não sei porque continuo
Nesse
ar que me asfixia
Você
é o sangue da minha ferida
Você
é o fogo que me queima
Você
é minha pergunta sem resposta
Meu
grito mudo
E o
meu silêncio.
Poesia por mim aprovada e música também. A questão agora era descobrir por onde andaria a francesinha que deixou o Brasil e o Maranhão apaixonados. Para quem ela teria direcionada uma antítese tão arrojada entre grito e silêncio? Eis aí “La Question”.
Paço do Lumiar (MA) sábado, 27 de junho de 2020 às 15h38min08s
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