Que os cearenses chegaram pra ficar o Brasil inteiro ficou logo sabendo. Eles não eram só bons humoristas. Eram bons também de viola. Em compor nem se fala.
Após passar no concurso para o Banco do Brasil e ser motivo de admiração e respeito pelo esforço dos familiares, meu primo Chico de Caxias passou um tempo perambulando por agências do Maranhão e foi parar no Ceará.
Com o tempo trocou o “éguas” dos maranhenses por “macho” dos cearenses.
No Maranhão os cearenses já eram conhecidos e admirados pelo talento. Belchior e Fagner já tomavam conta das poucas rádios de São Luís e nos bares os seresteiros iniciavam logo o repertório com eles pra fazer bonito.
“Comentários a respeito de John” e “Canteiros” já estavam nos ouvidos dos amantes do happy hour da época. Sacramentaram presença cearense não só na noite maranhense, mas no país inteiro. “Na hora do almoço” e “Conflito” já eram consagradas desde a época que morei no Rio em 1976.
Em 1983 fiz uma passagem rápida por Fortaleza a convite do primo Chico. Ele estava lá a trabalho e o principal lazer era ir para o clube social dos funcionários do banco nos finais de semana dançar e ouvir boa música. Fã confesso de Gonzaguinha pedia sempre para puxar na viola uma de suas músicas. “Sangrando” o fazia chorar e lembrar do Maranhão. Não sei o lado afetivo dessa canção com o primo. Uma paixão ou simples saudade da terrinha. Isso ele nunca me falou. Só sei que o rapaz cantava a música trabalhada nas lágrimas.
Mas além do compositor carioca que ele gostava apresentou-me outro cearense. Eu disse: mais um. E o cara era bom mesmo. Era o Ednardo de “Terral” e que já tinha feito trilha até para uma novela global: “Pavão Misterioso”.
A canção produzida em 1979 deslizou no vinil da sala em Aldeota com um gostoso violão fazendo ponte e percussão a gosto. O som cearense assim chegou:
“Arrepare
não , mais enquanto engoma a calça
Eu
vou lhe contar uma história bem curtinha fácil de cantar
Porque
cantar parece com não morrer
É
igual a não se esquecer que a vida aqui tem razão.
Esse
voar maneiro foi ninguém que me ensinou
Não
foi passarinho foi o olhar do meu amor
Me
arrepiou todinho e me eletrizou assim
Quando olhou meu coração...”
Gostei demais e falei pro Chico que aquela já estaria no próximo repertório. Cantamos juntos a noite inteira e depois nas Praias do Náutico e de Iracema pude perceber como eles valorizam seus artistas. Nos violões das calçadas as moças cearenses cantarolavam ao sabor do chopp geladíssimo e da farta gastronomia local sua música sem súplica.
Na rodoviária, rápida despedida. O primo agradeceu a visita. Rumei para o Rio.
Caminhando por Vila Isabel escuto de um som potente vindo de um alto
falante uma canção:
“Amanhã
se der um carneiro, carneiro
vou me embora daqui pro Rio de Janeiro...”
Pensei: serão os cearenses? E era. Eles atacavam de novo. Liguei pro
Chico e avisei: adivinha quem desembarcou no Rio? Ele respondeu rápido interrogando: Ednardo?
Pensei: ele já sabia.
Paço do Lumiar(MA)
domingo 21 de junho de 2020 às 19h03min09s
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