Era 1975 e só de ouvi-los à distância já dava
vontade de sair dançando e cantando. A Eletrônica Satélite na Rua Getúlio
Vargas fazia o populoso bairro do João Paulo acordar com alegria ao som de
Nonato e Seu Conjunto, principalmente aos sábados. O som era alto mesmo. Seu
Walter, o proprietário, tinha a melhor radiola da região e além dos consertos
desses equipamentos gostava de exibir seu poderio bélico sonoro. Os vizinhos
jamais reclamavam e enchia o ar de alegria e ritmo.
O grupo musical maranhense Nonato e Seu Conjunto
reinava absoluto nos salões de festas dos clubes sociais da época. Na São Luís
dos anos 70 tinham vários: Montese, Cassino Maranhense, Jaguarema e Lítero
Recreativo Português. Em todo bom baile lá eles estavam animando e botando todo
mundo pra dançar. “Caçoeira”, “Tambor de crioula”, “Cafua”, “Chegadinho”, “Do
terreira”, e algumas românticas para dançar coladinho tipo “Não adianta mais
promessa” entre outras. Todas autorais, além dos sucessos nacionais da época
muito bem reproduzidos.
O problema é que com o tempo o som de Nonato, cada
vez mais conhecido, se confundia com um grupo musical carioca que também fazia
sucesso: Renato e Seus Blue Caps. Sonoridades aproximadas e eu já fazia
confusão com os nomes. Quem canta? Nonato ou Renato?
Renato atacava nas rádios AM com um arsenal de
primeira: “Playboy” e “A primeira lágrima”. Nonato com “Sou feliz” e “Ana
Paula”.
Com 15 anos eu só queria saber onde seria o próximo
bailinho, pois já estava me candidatando ao posto de pé de valsa da Rua São
Vicente de Paulo. As garotas estariam lá e as músicas tinham que ser boas e
dançantes. Toda sexta tinha que saber se alguém estaria fazendo aniversário por
ali. Certamente teria festa familiar com móveis afastados da sala.
O som do maestro Nonato impressionava pela
qualidade sonora de seus músicos que pareciam tocar bem ali pertinho da gente.
Os dois discos lançados: “Nonato e Seu Conjunto” (1974) e “O som e o balanço de
Nonato” (1975) faziam o Maranhão ser notícia na região e além-fronteira nordestina,
pois até pras bandas do Piauí e Ceará já eram conhecidos. Gostava do vocal de
Walber e Oberdan Oliveira, a bateria ritmada, os metais, o som de órgão, as
guitarras, o baixo e o vibrafone. Era um som maranhense muito bom de ouvir,
cantar e dançar. Alguns integrantes eu sabia o nome, pois na capa do primeiro
vinil lá estava a turma com nome e respectivo instrumento.
Em 1976 fui para o Rio tentar a vida. Jamais
esqueci esse som que para sempre ficou em minha memória. As festas, meus amigos
e a saudade da minha terra na voz de Nonato e Seu Conjunto. No ônibus da
Itapemirim seguia solitário pela última fronteira em Caxias quase Piauí. Mais
um pouco de estrada ali não seria mais Maranhão. Não tinha mais volta e comecei
a cantar baixinho:
“Nas ruas dessa cidade dos azulejos quero
passar.
Filho nasce em São Luís filho coração
desperta filho sente que é feliz neste berço de poetas.”
(Morada)
“Ele é de 1800 eu não tinha nem nascido é
tão velho quanto as rugas que pregou em sua pele de sol, ele é o pai do pai do
meu pai...”
(Bisavô)
“Sei que o erro é humano eu pensei e não me
engano eu já sou demais pra ti... Não te pertence mais o meu coração, oh que já
é demais a solidão, a solidão...”
(Não precisa mais promessa)
“Vai, a lua no céu sumindo eu já vou indo
que as filas do mercado central me esperam desesperam meu chegar e o bruto não
foi pescado aqui na beira é peixe do alto mar é de caçoeira, graúdeira
leluia...
(Caçoeira)
“Ana vive a rezar pro seu criador poder lhe
chamar...”
(Senhora Ana)
“Negro cantou, sofreu, gemeu negro lembrou,
sofreu, chorou
Cafua
não teve dó de negro não...
(Cafua)
“Quem ainda não viu tambor de crioula do
Maranhão afinado a fogo...”
(Tambor de crioula)
Anos depois voltei ao meu velho Maranhão e já sabia
distinguir a sonoridade maranhense da carioca. Eu já sabia quem era Nonato e
quem era Renato. Seu Nonato um dia nos deixou e foi tocar com João do Vale no
céu. O carioca Renato continua na estrada.
Aos sábados ouço o som de Nonato e Seu Conjunto. Os
vizinhos também, mas ninguém reclama e olho para o céu azul do Maranhão
cantando: “Oh! dá licença minha gente eu
vou-me embora eu vou-me embora, já está chegando a aurora eu vou-me embora mais
um dia volto aqui se Deus quiser, Jesus e a dona da casa.”
Paço do Lumiar (MA), 11 de junho de 2020 (quinta feira) às 09h 03 min 59s