A noite de sexta-feira chegava com lua prateada no centro de São Luís, onde o Restaurante Mag’s se preparava para receber seus finos clientes. Era 1988 e eu era atração musical da MPB de violão e voz no belíssimo lugar com toalhas rendadas até o chão. Público exigente com cardápio, ambiente e música. Um cartaz exibia: “JÔ SANTOS, a voz e o violão”. Os bares e restaurantes da cidade tinham cardápio musical variado por ali e muita gente boa estava surgindo na cena noturna de São Luís do Maranhão.
Pluguei a viola e preparei a voz para pontualmente começar os trabalhos naquela noite às 21 horas. O senso de um músico, quando toca num lugar onde todos comem indiferentes ao invisível cantor ali na frente, vai direto no aplauso que naquela noite parecia que tinha tomado chá de sumiço. Mas quem canta na night, às vezes, se contenta com um simples olhar ou quem sabe algo mais revelador: o aplauso.
Tentei de tudo um pouco, porém a indiferença reinava e tinha vindo pra ficar naquela noite. Nem uma palminha para contar história. O restaurante Mag’s, situado na Rua Rio Branco, estava quase na esquina da praça mais central e mais conhecida de São Luís, a Praça Deodoro e tinha fama de ser um dos melhores da ilha. Fui contratado depois de um teste por Fernando Galotte, um empresário carioca que junto com sua mulher goiana Marilene não estavam no Maranhão a passeio. Com um copo de uísque na mão, o sujeito era uma cópia do Miéle, famoso artista global. Tinha voz grossa alta e grave, porém educadíssimo no trato com pessoas e tinha verdadeira paixão pelas artes culinárias. Era mestre nesse setor. O nome Mag’s era uma homenagem a Dona Marilene.
Noite adentro tentei Cartola e até Milton. Vi meu verão terminando e nada das rosas exalarem algum aplauso. A travessia agonizava e a voz queria parar antes da estrada findar. Apelei para Fagner. Nem aplausos, nem canteiros.
As cortinas já estavam quase baixando, pratos e taças sendo recolhidos e eu perseguindo o aplauso perdido, o objetivo maior de qualquer artista. Quase jogando a toalha fiz uma última tentativa e apelei para uma do bom baiano João Gilberto:
“O
Pato vinha cantando alegremente quém, quém
quando
o marreco sorridente pediu
para
entrar também no samba no samba no samba
O
ganso gostou da dupla e fez também quém, quém, quém
Olhou
pro cisne e disse assim, vem vem
Que o
quarteto ficará bem, muito bom, muito bem
Na
beira da lagoa foram ensaiar
para
começar o tico-tico no fubá
A voz
do pato era mesmo um desacato
Jogo
de cena com ganso era mato
Mas
eu gostei do final quando caíram n’água
Ensaiando
o vocal
Quém,
quém, quém
Quém,
quém, quém
Quém,
quém, quém
Quém, quém, quém."
O restaurante veio abaixo. Aplausos e até assovios. O patrão já com algumas e outras, de taça em punho, exigiu bis. Feliz e realizado com a casa cheia, gorjetas vastas e um aplauso no final.
Sussurrei baixinho: “Eta! João, fico devendo essa”. Clientes se despedindo e o show acabou. Já era madrugada e Fernando me chama para jantar com ele um filé com um bom vinho tinto e repetindo um “quém, quém, quém” que parecia ecoar na casa.
— Jô, como sempre, arrasou — disse ele. Sorri aliviado e agradeci.
Peguei a viola, o cachê, ego resgatado e fui cantarolando baixinho para o meu destino por ruas vazias da adormecida São Luís:
— O pato vinha cantando alegremente...
Paço do Lumiar (MA), 11
de junho de 2020 (quinta feira), às 01h 12min 33s