Era domingo e minha irmã mais velha acordou-me cedo e disse: “menino, vamos conhecer o nosso novo endereço”. Como? Há pouco tempo tínhamos mudado da casa dos meus tios Josué e Olindina da Rua Caiapó para atual Padre Roma, na rua acima. É, mas nós estávamos descendo para três ruas abaixo. O novo aluguel seria na General Belegard, 259 fundos, casa 2. Fiquei logo a pensar: "quem moraria na 1?". O sol brilhava no Rio e no Lins de Vasconcelos, bairro modesto da zona norte carioca onde morávamos, quem vinha do nordeste para casa dos tios escapava até a vida melhorar e um dia zarpar.
— Você vai gostar. O moço da casa 1 é cabeludo, toca violão, conversa muito e parece simpático.
A parte do violão gostei. Em 1978, não havia um conceito musical preconceituoso. Tudo era música, popular ou não, pelo menos na minha cabeça. Isso porque minha irmã já tinha me alertado que ele cantava e tocava bem música popular. Eu mal tinha iniciado os primeiros acordes e só tocava o que todo mundo tocava: a tal “Casa do Sol Nascente”, via que todo coitado que pensa em tocar violão tem que enfrentar. É fácil: passa de lá menor pra mi maior. Fácil. Pra quem?
Chegamos no tal endereço e fomos recebidos por latidos e uma moça de cabelos longos que, sorridente, abriu o portão do longo corredor até a casa 2. Curioso ao passar, olhei para a direita e vi um homem de longos cabelos arrebentando no violão que parecia disco. Era a tal casa 1.
A voz parecia familiar. Sorridente aproximou-se e deu as boas vindas. Quando o olhei reconheci na hora.
— Rapaz, você não é o Balthazar?
Mesmo de Sergipe, respondeu com sotaque carioca:
— Sim!
Ficamos amigos na hora e fui lhe contar que em São Luís do Maranhão ele era tão conhecido quanto o rei da jovem guarda. Ele sorriu, parecia não acreditar. Eu disse que sabia cantar suas músicas de cor e soltei meio desafinado:
— “Você de uns dias pra cá vem mudando demais o seu modo de ser com muita tristeza no olhar...”.
— “Sarah, onde é que você se esconde? Minhas cartas por que não respondes...”.
O cara tocou essas músicas no violão que parecia
disco. Demais! Perguntei-lhe quem era Sarah, já que ele na canção não sabia seu
paradeiro, sequer se ela ainda estava viva.
“Será que você vive em Israel ou será que você está no céu?”
Olha, eu torci pela primeira opção. Ele me disse
que Sarah nunca existiu, era uma mulher imaginada na cabeça de um poeta.
Surpreso e assustado com a resposta fiquei. Quase uma decepção para quem só tinha
quase 18 anos e a pureza se confundia com incertezas. Iria completar a maior
idade só em dezembro. Estávamos no final de outubro. Uma última cartada sobre o
paradeiro de Sarah: perguntei para a simpática Denise, sua mulher que na
barriga levava um filho seu prestes a nascer. “Será que Sarah não é você?”. A
negativa veio num aceno. Ali tive uma certeza: eu sei onde Sarah se esconde. É
no Lins.
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