Com uma extensão vocal do contralto ao soprano, Dalva de Oliveira fez muito rouxinol morrer de inveja do timbre de voz que encantou o Brasil entre os anos 30 e 60. Mas uma canção da paulista de Rio Claro não fazia minha mãe morrer de inveja. Pelo contrário, ela queria ser a própria Dalva quando soltava a voz, tal eram a admiração e empolgação.
Era “Hino ao amor” cuja letra sofrida de paixão tornava a voz da cantora mais emocionante ainda. Apesar do esforço era difícil atingir o agudo da cantora. Entretanto o sofrimento parecia o mesmo. Dalva, que nasceu Vicentina de Paula Oliveira, tinha ascendência portuguesa e teve vida difícil cujo talento era proporcional às dores. Uma delas a que atormenta a todos: a de amor.
A música, por uma razão que desconheço, me leva às lágrimas até hoje. E olhe que Dalva deixou este mundo para se tornar uma estrela em 1972. Dois anos antes, aos dez anos, eu ouvia a canção com espanto, pois parecia que a cantora estava de fato vivendo aquela situação exposta na letra. Alguém duvida? Tenho a impressão que poesia, canto e emoção estavam no mesmo campo onde quem manda é o coração. Aí quem sabe reside a causa das minhas lágrimas.
O realismo da interpretação me impressionou de tal forma que associei sentimentos e sofrimentos da cantora aos meus. Quando minha mãe também virou estrela em 1983 senti na pele a mesma sensação e na letra encontrei refúgio.
Se o
azul do céu escurecer
E a
alegria na terra fenecer
Não
importa, querido, viverei do nosso amor
Se tu
és o sonho dos dias meus
Se os
meus beijos sempre foram teus
Não
importa, querido, o amargor das dores desta vida
Um
punhado de estrelas no infinito irei buscar
E aos
teus pés esparramar
Não
importa os amigos, risos, crenças e castigos
Quero
apenas te adorar
Se o
destino então nos separar
Se
distante a morte te encontrar
Não
importa, querido, porque eu morrerei também
Quando
enfim a vida terminar
E dos
sonhos nada mais restar
Num
milagre supremo
Deus
fará no céu eu te encontrar.
Composição: Marguerite Monnot, Edith Piaf e Geoffrey Parsons
Se a talentosíssima Edith Piaf imortalizou “Hino ao amor” num afinadíssimo francês, a nossa Dalva a imortalizou num emocionante português. No talento, Edith e Dalva não precisarão de um milagre supremo. Timbres inigualáveis na terra e no céu, Edith e Dalva são estrelas. A nossa é a estrela Dalva do Brasil.
Paço do Lumiar (MA)
sábado, 04 de julho de 2020 às 10h36min21s
O talento de uma voz unida em profundidade com a intensidade de emoções numa interpretação musical, com certeza faz a magia do que não se explica, mas pode ser sentido acontecer.
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