Como professor de português levava sempre o violão para o Curso Santa Madalena. Preparar a garotada da 8ª série, em 1993, para seletivos puxados exigia conteúdo e criatividade. Naquele sábado surpreendi a todos dizendo que o maestro carioca Tom Jobim estaria conosco na aula naquele dia. Só esqueci-me de avisar que seria a sua poesia musicada que viria. Trazer o grande mestre da bossa nova para um pequeno curso preparatório situado em Paço do Lumiar, no Maranhão, não estava dentro das minhas possibilidades.
Com giz na mão redigi no quadro a letra de “Aula de matemática” que alguns copiavam animados, outros nem tanto. Os versos surgiram assim:
“Pra que dividir sem raciocinarNa vida é sempre bom multiplicarE por “A” mais “B” eu quero demonstrarQue gosto imensamente de vocêPor uma fração infinitesimalVocê criou um caso de cálculo integralE para resolver este problemaEu tenho um teorema banal:Quando dois meios se encontramDesaparece a fraçãoE se achamos a unidadeEstá resolvida a questãoPra finalizar vamos recordarQue menos com menos dá mais amorSe vão as paralelasAo infinito se encontrarPorque demoram tantoDois corações a se integrarPois desesperadamenteIncomensuravelmenteEu estou perdidamenteApaixonado por você”.
Depois de analisar gramaticalmente o texto, explorando tudo e mais um pouco do que o mestre das letras Evanildo Bechara chama de normativas passei para à parte musical. Cantei com a garotada um som que para eles era novo. No início dos anos 90, essa turma estava mais para a estouradíssima “Fácil” da banda mineira J-Quest com guitarras que para os suaves acordes da bossa nos distantes anos 50. Mesmo assim agradou e Manoel, um dos alunos que chegava cedo, ficou impressionado com um casamento improvável. Os acordes dissonantes e a matemática. Pense que foi numa aula de língua portuguesa.
Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu no Rio de Janeiro em 25 de janeiro de 1927. Foi um compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista. Criou um dos maiores movimentos de música popular jamais visto no Brasil: a Bossa Nova. Com sua “Garota de Ipanema”, feita em parceria com o amigo poeta Vinícius de Moraes, imortalizou mundialmente o movimento que serviu de referência histórica para músicos do planeta como uma das mais belas páginas da arte pautada em melodia, ritmo e harmonia.
A arte dos números se curvou diante da imensa criatividade do poeta musical. Naquele dia a bossa nova foi à escola para mostrar que uma bela canção pode ensinar o mundo a ser melhor e que a arte que encanta os ouvidos também começa com a letra “M”.
Paço do Lumiar (MA) domingo, 01 de novembro de 2020 às 05h 08min 27s.
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