segunda-feira, 3 de agosto de 2020

“Inútil paisagem” com “Os Cariocas”. A culpada.

Num lugar onde se respira música, todos são vítimas das influências. Minhas filhas já nasceram nesse ambiente e herdaram o gosto pela arte desde a mais tenra idade. Uma delas começou a batucar numa pequena lata de neston e quando abri os olhos já estava me acompanhando em shows pela noite e teatros de São Luís. Era a mais velha. A mais nova era muito pequena.

Nossos ensaios eram rápidos porque bastava eu colocar um “Escravo da Alegria” de Toquinho e Vinícius no violão, o ritmo já estava em cima na divisão correta. Como? Não sei.

Era surpreendente. Nem percussionistas mais experientes tinham aquela mão suave e cheia de cadência. E olhe que toquei com muita gente boa.

O bom humor sempre acompanhou a escolha de repertório e a concentração também. Mas houve um problema com uma canção de Tom Jobim e a culpa foi da Talita. Ao encerrar a canção “Inútil paisagem” o afinadíssimo grupo vocal Os Cariocas usa um “é nada” que Talita começou a repetir e o riso soltou frouxo. Pronto. Eu amolecia e não saía mais nada até o riso ir embora. A carinha dela colou no meu ouvido junto com seu sorriso que a melodiosa canção exaltava: é nada.

A partir dali não conseguia mais cantar quando chegava nesta parte. Cheguei a excluir a canção de shows com medo de ter um ataque histérico de riso diante de uma plateia. Quem iria entender? Se a menina estivesse ali, coitado de mim.

Não era simplesmente o “é nada”. Era o jeito juvenil com o qual tinha pronunciado. E na primeira vez imortalizou.

Mas “Inútil paisagem” fala de amor e na talentosa execução “Os Cariocas” modernamente arrasavam:

                                     “Mais pra quê?

Pra quê tanto céu?

Pra quê tanto mar?

Pra quê?

De que serve esta onda que quebra?

E o vento da tarde?

De que serve a tarde?

Inútil paisagem.

Pode ser que não venhas mais, que não venha nunca mais.

De que servem as flores que nascem pelos caminhos se o meu caminho sozinho é nada”.

No tribunal do coração infelizmente Talita foi declarada culpada. Culpada por ter uma gargalhada forte e vibrante quando divide no quarto alegrias com a irmã mais nova. Culpada por ter no seu pai o maior fã. Culpada de nada. O culpado é o Tom Jobim.

 Paço do Lumiar (MA), sexta-feira, 19 de junho de 2020 às 06h51min31s


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