Num lugar onde se respira música, todos são vítimas das influências. Minhas filhas já nasceram nesse ambiente e herdaram o gosto pela arte desde a mais tenra idade. Uma delas começou a batucar numa pequena lata de neston e quando abri os olhos já estava me acompanhando em shows pela noite e teatros de São Luís. Era a mais velha. A mais nova era muito pequena.
Nossos ensaios eram rápidos porque bastava eu colocar um “Escravo da Alegria” de Toquinho e Vinícius no violão, o ritmo já estava em cima na divisão correta. Como? Não sei.
Era surpreendente. Nem percussionistas mais experientes tinham aquela mão suave e cheia de cadência. E olhe que toquei com muita gente boa.
O bom humor sempre acompanhou a escolha de repertório e a concentração também. Mas houve um problema com uma canção de Tom Jobim e a culpa foi da Talita. Ao encerrar a canção “Inútil paisagem” o afinadíssimo grupo vocal Os Cariocas usa um “é nada” que Talita começou a repetir e o riso soltou frouxo. Pronto. Eu amolecia e não saía mais nada até o riso ir embora. A carinha dela colou no meu ouvido junto com seu sorriso que a melodiosa canção exaltava: é nada.
A partir dali não conseguia mais cantar quando chegava nesta parte. Cheguei a excluir a canção de shows com medo de ter um ataque histérico de riso diante de uma plateia. Quem iria entender? Se a menina estivesse ali, coitado de mim.
Não era simplesmente o “é nada”. Era o jeito juvenil com o qual tinha pronunciado. E na primeira vez imortalizou.
Mas “Inútil paisagem” fala de amor e na talentosa execução “Os
Cariocas” modernamente arrasavam:
“Mais pra quê?
Pra quê tanto céu?
Pra quê tanto mar?
Pra quê?
De que serve esta
onda que quebra?
E o vento da tarde?
De que serve a
tarde?
Inútil paisagem.
Pode ser que não
venhas mais, que não venha nunca mais.
De que servem as
flores que nascem pelos caminhos se o meu caminho sozinho é nada”.
No tribunal do coração infelizmente Talita foi declarada culpada. Culpada por ter uma gargalhada forte e vibrante quando divide no quarto alegrias com a irmã mais nova. Culpada por ter no seu pai o maior fã. Culpada de nada. O culpado é o Tom Jobim.
Paço do Lumiar (MA), sexta-feira, 19 de junho de 2020 às 06h51min31s
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