Padre Maurício terminou a comunhão e aproveitei para mandar o Canto de Ação de Graças logo após, com violão em punho e a voz desconfiada. Era “Pais e filhos” da Legião Urbana. Estouradíssima nas rádios nos anos 80, a banda era muito conhecida da geração coca-cola. Com espanto o padre observa a entrada fulminante de jovens que adentraram a Igreja sem acreditar no que ouviam e formaram um coral extraordinário. Como consegui trazer aquela galera para o final da missa nem eu sei explicar. E a igreja virou um som só:
“Meu
filho vai ter nome de santo, quero o nome mais bonito, é preciso amar as pessoas
como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há.
Me diz por que o céu é azul, explica a grande fúria do mundo, são meus filhos
que tomam conta de mim ...”
No final, aplausos e até assovios e a espera por uma bronca, afinal sem autorização toquei na missa, num momento sagrado, uma canção do mundo, pra não dizer profana. Para minha surpresa Maurício com sotaque de francês do Canadá disse: “Que bela canção, Batista. É sua?”. Com um aceno disse não. Provavelmente Maurício ainda não conhecia Renato Russo.
Era final de outubro de 1990, domingo à noite. Foi a última vez que o vi. Sem saber nos despedimos para sempre e fui para casa. Morava no Maiobão em Paço do Lumiar-MA e tocar nas missas aos domingos com os belíssimos ensinamentos do padre canadense que adotou o Maranhão nos últimos anos de sacerdócio era uma bênção. Era engraçado porque ele dizia: “A benção de Deus esteja convosco”. No nosso café antes dessa missa eu o tinha orientado que era bênção. Ele não conseguia pronunciar como paroxítona em português e insistia em benção oxítona. E no final das missas me olhava, ria e dizia: “a bênção...”, eu acenava positivo. Ora, ele falava francês, tinha que dar um desconto.
Dias depois já em novembro soube que estava doente e hospitalizado. Lutava pela vida. Como? Não sei. Um outro padre celebrou no domingo seguinte e pedia orações por ele.
Dias depois um amigo da paróquia bate palmas cedinho e me chama. Assustado por ser muito cedo, desconfiei do chamado num sábado:
— Batista, Batista! Pegue seu violão e vamos para a Igreja. Maurício nos deixou.
A ansiedade e a surpresa tomaram conta da voz, do coração e das pernas que insistiram em tremer.
— Como?
Deixei minha mulher e minha pequenina filha. Numa frase minha mulher resumiu o momento:
— Vai, ele precisa de você.
No Maiobão a notícia correu. Um bairro gigante dentro da pequena Paço do Lumiar, uma das quatro cidades que formam a região metropolitana, além de São Luís (a capital do Maranhão), Raposa e São José de Ribamar. O choro andou e rolou solto. Com simplicidade e carisma esse padre havia conquistado a comunidade e parecia que órfãos teríamos ficado.
Eu não tive opção. Com lágrimas nos olhos, cantei:
“Dorme
agora, é só o vento lá fora.
Quero
colo, vou fugir de casa
Posso
dormir aqui com vocês?
Estou
com medo, tive um pesadelo...”
Nunca mais o Maiobão foi o mesmo. A Igreja Sagrada Família idem. Eu, idem.
Que história linda, mesmo comum desfecho triste! Uma lembrança que fica marcada para sempre na vida de quem a vive.
ResponderExcluirMaurício deixou uma história linda na comunidade do Maiobão. Construiu a Igreja Sagrada família pedindo tijolos em carrinho de mão de porta em porta.Soube-se depois que seus familiares de posses do Canadá ajudaram bastante. Sua partida surpreendente e precoce pegou todos de surpresa. Os desígnios de Deus são de Deus. Deixou muita saudade.
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